Este fim-de-semana foi maioritariamente meu. Com partilhas incorporadas. Mas foi mais meu. Mais horas para dormir. Mais horas dedicadas a tratar das minhas coisas. Tem-me acontecido momentos de introspecção. Talvez por um aniversário estar mais próximo. Tem sido um ano duro. É um facto. Muita coisa para lidar. Guerras interiores que me levam ao chão. Não são poucos os sentimentos menos bons que se apoderam de mim. Mesmo que contrabalançados com sensações bonitas, leves e capazes de modificar o ser humano mais descrente.
No decorrer deste fim-de-semana dei comigo a pensar naqueles momentos únicos que se estabelecem entre duas pessoas. Como é raro existir um entendimento único logo na primeira vez em que há um cruzar de olhares. palavras. sensações.
E isto levou-me a ti. Tanta coisa que me leva a ti. A história que nunca escrevi é a nossa. Foi a única que me cegou os olhos e me bloqueou as mãos. Guardei tudo dentro dos meus olhos e o acesso deixou de acontecer. Foi uma praga tua? Não seria estranho que assim fosse. A tua postura relativamente a mim foi sempre pautada de loucura. A loucura de quem ama e de quem teme a perda. Eu sempre fui mais leve. Optei por outra forma de ver as coisas. Sim, corroía-me por dentro que um dia acontecesse deixaresde me amar. ou que fosses embora. Mas fui discreta nesses tormentos. Não os deixava escritos pela casa como declarações de amor. não acordava a meio da noite à tua procura. Não tinha ataques de pânico. Tu e os teus dramas. E o tanto que eles me assustavam.
Acabei por ser eu a perder-te. Sabes, agora que não estás aqui posso dizer-te que nunca antevi uma eternidade para nós. no entanto, achei sempre que serias tu a perder-me. e não ao contrário. O egocentrismo sempre entalou muita gente. não é verdade, minha querida? Não quis acreditar da primeira vez que o ouvi. Primeiro sorri quando soube que eu era o teu número de emergência. depois não consegui dizer nada. enquanto o tipo do hospital me contava que tinhas tido um acidente. tu, um acidente? A condutora mais calma e pacifica de Lisboa. Vim a descobrir que a culpa não tinha sido tua. Não duvidei nunca do contrário. Mas morreste. Logo ali no local, sem qualquer possibilidade de te despedires. Sem qualquer possibilidade de nada. Confesso-te que depois do abalo inicial, só me questionava quem é que ia cuidar do teu gato. Eu não podia ser. O mais certo era que morresse à fome. Os teus pais quiseram ficar com ele. Disseram que seria a tua vontade. Sabiam eles lá qual era a tua vontade. A tua vontade era que ele ficasse na casa onde vivemos durante quatro anos. E que eu tivesse a coragem de cuidar das coisas. Era o expectável. Eu sempre fui contra as expectativas alheias. Mesmo contra as tuas. Sempre me achei mais confortável na desilusão. A minha sorte foi ter uma inteligência que me avisava quando o momento ideal para surpreender. Portanto, tiveste-me assim entre os sucessos e os fracassos. Entre as discussões irrisórias e os momentos de amor denso e quente.
Passado dois meses decidi sair daquela casa. Não suportava acordar todas as noites com a tua voz. Vivia numa selva. Safou-me a D. Maria José que continuou a lá ir uma vez por semana. Dizia-me: "Sabe o que podia fazer menina? Fingir que ela ainda está viva. E que continua a zangar-se consigo porque não arruma as coisas.". Achava-lhe graça. Mal sabia ela o quanto eu te ouvia e como as minhas acções eram o contrário do suposto. Portanto, mudei-me. Continuei a pagar a renda da outra casa. Só para lá guardar as tuas coisas. Não mudei nada de sítio. Nada. E de vez em quando, vou lá para te sentir. Só me permito pensar em nós quando estou deitada no nosso sofá. Tive de me organizar, sabes? E apenas pensar em ti naquele espaço. Acho que falo contigo enquanto vemos a tua colecção de clássicos. A um passo da loucura, é onde provavelmente estou. Não faz mal. Não me sinto mal por isso.
A casa já era tua antes de ser nossa. Levaste-me lá da primeira vez que nos conhecemos. Eu não achei estranho. Ia muitas vezes à casa de mulheres logo no primeiro encontro. Achei-te alguma graça. Não sei bem porquê. Aliás, levei tempo a perceber o porquê. Não eras propriamente bonita. Ou interessante. Tinhas qualquer coisa, isso tinhas. Era sábado à tarde. Conhecíamos-nos de vista. E esse é um ponto confortável para podermos proferir um olá. Sim, foi um olá o prólogo da nossa história.
Um olá. e depois um como estás. e logo a seguir tens ido ao bar qualquer coisa. sim, tenho ido. eu não, tenho tido muito trabalho. pois, e vais fazer agora alguma coisa? vou a uma loja. queres vir? sim, aproveito e também vejo algumas coisas. eu vou ver e comprar. se calhar depois de ver compro. e depois? depois de quê? de comprares. depois se calhar podemos ver como ficam em minha casa. as coisas que compraste? sim. ok.
foi assim. o primeiro dialogo. da loja, fomos para tua casa. sentamos-nos na tua varanda a beber cerveja e a fumar um charro. conversamos muito. rimos também. não foi? e houve um momento em que foste por música e começaste a dançar. não era bem dançar. era mexer a anca e a cintura. vidraste-me. sim, acho que foi a primeira vez que me roubaste os olhos. depois os meus olhos foram sempre teus. teus. da varanda fomos para o chão da tua sala. tinha um tapete enorme mais escuro que o vermelho. demoramos-nos um pouco no silêncio. e do silêncio foi um passo até se ouvir o som de dois lábios que se tocam. afastaste-me não sem antes corresponderes. depois afastaste-me. eu achei bem que o fizesses. só sei que sou inconveniente depois de o ser.
depois começou outra conversa.
beijaste-me. é verdade. não devias ter feito isso. porquê? porque não é correcto. Namoras, é? Não. Então é incorrecto porquê? conhecemos-nos hoje. não, já nos conhecíamos de vista. não interessa. só a ti é que não interessa. pois. queres que vá embora? não sei bem o que quero. isso é tipicamente feminino. o querer e o não querer na mesma frase. no mesmo momento. chateia-te isso? um pouco sim. preferia que não tivesses correspondido no beijo. ou simplesmente que me afastasses. porquê? porque agora fiquei confusa. sobre? o que tem mais peso, o teres correspondido ou o me teres afastado. é uma boa questão. é, eu sei. queres uma resposta? Não, quero apenas ter a certeza que se te beijar agora, não me vais afastar.
e beijei e não fui afastada. começou assim. a nossa história começou assim.
Fez dois anos que sem culpa morreste. os teus pais ficaram com o gato. eu mudei-me mas continuo a pagar a renda da outra casa. é onde tu estás, é onde eu me permito estar contigo. fora isso, tenho uma vida minimamente normal. as casas mantém-se limpas porque a D. Maria José continua a fazer a limpeza uma vez por semana. eu vou cozinhando. respeito os teus planos alimentares. tive de passá-los para computador porque estavam quase imperceptíveis. o trabalho corre bem. vou namorando. agora dá-me para as miúdas mais novas. nunca consegui estar com alguém que de algum modo me lembrasse de ti. acabo por sair com pessoas que não me interessam minimamente. mas é isto que se chama fazer-nos à vida, não é? deve ser. reagir quer à tua morte, quer à morte do amor. morreram ambos.
No decorrer deste fim-de-semana dei comigo a pensar naqueles momentos únicos que se estabelecem entre duas pessoas. Como é raro existir um entendimento único logo na primeira vez em que há um cruzar de olhares. palavras. sensações.
E isto levou-me a ti. Tanta coisa que me leva a ti. A história que nunca escrevi é a nossa. Foi a única que me cegou os olhos e me bloqueou as mãos. Guardei tudo dentro dos meus olhos e o acesso deixou de acontecer. Foi uma praga tua? Não seria estranho que assim fosse. A tua postura relativamente a mim foi sempre pautada de loucura. A loucura de quem ama e de quem teme a perda. Eu sempre fui mais leve. Optei por outra forma de ver as coisas. Sim, corroía-me por dentro que um dia acontecesse deixaresde me amar. ou que fosses embora. Mas fui discreta nesses tormentos. Não os deixava escritos pela casa como declarações de amor. não acordava a meio da noite à tua procura. Não tinha ataques de pânico. Tu e os teus dramas. E o tanto que eles me assustavam.
Acabei por ser eu a perder-te. Sabes, agora que não estás aqui posso dizer-te que nunca antevi uma eternidade para nós. no entanto, achei sempre que serias tu a perder-me. e não ao contrário. O egocentrismo sempre entalou muita gente. não é verdade, minha querida? Não quis acreditar da primeira vez que o ouvi. Primeiro sorri quando soube que eu era o teu número de emergência. depois não consegui dizer nada. enquanto o tipo do hospital me contava que tinhas tido um acidente. tu, um acidente? A condutora mais calma e pacifica de Lisboa. Vim a descobrir que a culpa não tinha sido tua. Não duvidei nunca do contrário. Mas morreste. Logo ali no local, sem qualquer possibilidade de te despedires. Sem qualquer possibilidade de nada. Confesso-te que depois do abalo inicial, só me questionava quem é que ia cuidar do teu gato. Eu não podia ser. O mais certo era que morresse à fome. Os teus pais quiseram ficar com ele. Disseram que seria a tua vontade. Sabiam eles lá qual era a tua vontade. A tua vontade era que ele ficasse na casa onde vivemos durante quatro anos. E que eu tivesse a coragem de cuidar das coisas. Era o expectável. Eu sempre fui contra as expectativas alheias. Mesmo contra as tuas. Sempre me achei mais confortável na desilusão. A minha sorte foi ter uma inteligência que me avisava quando o momento ideal para surpreender. Portanto, tiveste-me assim entre os sucessos e os fracassos. Entre as discussões irrisórias e os momentos de amor denso e quente.
Passado dois meses decidi sair daquela casa. Não suportava acordar todas as noites com a tua voz. Vivia numa selva. Safou-me a D. Maria José que continuou a lá ir uma vez por semana. Dizia-me: "Sabe o que podia fazer menina? Fingir que ela ainda está viva. E que continua a zangar-se consigo porque não arruma as coisas.". Achava-lhe graça. Mal sabia ela o quanto eu te ouvia e como as minhas acções eram o contrário do suposto. Portanto, mudei-me. Continuei a pagar a renda da outra casa. Só para lá guardar as tuas coisas. Não mudei nada de sítio. Nada. E de vez em quando, vou lá para te sentir. Só me permito pensar em nós quando estou deitada no nosso sofá. Tive de me organizar, sabes? E apenas pensar em ti naquele espaço. Acho que falo contigo enquanto vemos a tua colecção de clássicos. A um passo da loucura, é onde provavelmente estou. Não faz mal. Não me sinto mal por isso.
A casa já era tua antes de ser nossa. Levaste-me lá da primeira vez que nos conhecemos. Eu não achei estranho. Ia muitas vezes à casa de mulheres logo no primeiro encontro. Achei-te alguma graça. Não sei bem porquê. Aliás, levei tempo a perceber o porquê. Não eras propriamente bonita. Ou interessante. Tinhas qualquer coisa, isso tinhas. Era sábado à tarde. Conhecíamos-nos de vista. E esse é um ponto confortável para podermos proferir um olá. Sim, foi um olá o prólogo da nossa história.
Um olá. e depois um como estás. e logo a seguir tens ido ao bar qualquer coisa. sim, tenho ido. eu não, tenho tido muito trabalho. pois, e vais fazer agora alguma coisa? vou a uma loja. queres vir? sim, aproveito e também vejo algumas coisas. eu vou ver e comprar. se calhar depois de ver compro. e depois? depois de quê? de comprares. depois se calhar podemos ver como ficam em minha casa. as coisas que compraste? sim. ok.
foi assim. o primeiro dialogo. da loja, fomos para tua casa. sentamos-nos na tua varanda a beber cerveja e a fumar um charro. conversamos muito. rimos também. não foi? e houve um momento em que foste por música e começaste a dançar. não era bem dançar. era mexer a anca e a cintura. vidraste-me. sim, acho que foi a primeira vez que me roubaste os olhos. depois os meus olhos foram sempre teus. teus. da varanda fomos para o chão da tua sala. tinha um tapete enorme mais escuro que o vermelho. demoramos-nos um pouco no silêncio. e do silêncio foi um passo até se ouvir o som de dois lábios que se tocam. afastaste-me não sem antes corresponderes. depois afastaste-me. eu achei bem que o fizesses. só sei que sou inconveniente depois de o ser.
depois começou outra conversa.
beijaste-me. é verdade. não devias ter feito isso. porquê? porque não é correcto. Namoras, é? Não. Então é incorrecto porquê? conhecemos-nos hoje. não, já nos conhecíamos de vista. não interessa. só a ti é que não interessa. pois. queres que vá embora? não sei bem o que quero. isso é tipicamente feminino. o querer e o não querer na mesma frase. no mesmo momento. chateia-te isso? um pouco sim. preferia que não tivesses correspondido no beijo. ou simplesmente que me afastasses. porquê? porque agora fiquei confusa. sobre? o que tem mais peso, o teres correspondido ou o me teres afastado. é uma boa questão. é, eu sei. queres uma resposta? Não, quero apenas ter a certeza que se te beijar agora, não me vais afastar.
e beijei e não fui afastada. começou assim. a nossa história começou assim.
Fez dois anos que sem culpa morreste. os teus pais ficaram com o gato. eu mudei-me mas continuo a pagar a renda da outra casa. é onde tu estás, é onde eu me permito estar contigo. fora isso, tenho uma vida minimamente normal. as casas mantém-se limpas porque a D. Maria José continua a fazer a limpeza uma vez por semana. eu vou cozinhando. respeito os teus planos alimentares. tive de passá-los para computador porque estavam quase imperceptíveis. o trabalho corre bem. vou namorando. agora dá-me para as miúdas mais novas. nunca consegui estar com alguém que de algum modo me lembrasse de ti. acabo por sair com pessoas que não me interessam minimamente. mas é isto que se chama fazer-nos à vida, não é? deve ser. reagir quer à tua morte, quer à morte do amor. morreram ambos.