quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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24 de Abril de 2008

Esqueci-me de te dizer que comprei as passagens para Paris. Esqueci-me de te dizer que era a tua prenda. Que finalmente tinha juntado dinheiro suficiente para concretizar a viagem à tua cidade. Esqueci-me de te dizer que durante meses tive flashes dos nossos dias por lá. As avenidas. A torre. Os museus. As baguetes em sacos de papel. Os capuccinos caríssimos numa esplanada com vista para o Sena. Nesses flashes cheguei a tirar-te imensas fotografias enquanto percorrias com a ponta do dedo, o roteiro que tinhas preparado para quando um dia visitássemos a tua cidade. Repetias o nome dos sítios em voz alta. Sorridente e frenética. Era assim que te imaginava. Era assim que estarias. Porque era o teu sonho. Ou um dos muitos. Mas aquele era especial. Tinhas sido feita em Paris. Com amor ou pouco amor. Num momento de loucura em que o teu pai levou a tua mãe numa viagem de carro pela Europa. Mas foi em Paris que foste feita. De madrugada, num passeio que começou na praça Chatelêt e acabou numa pensão reles da cidade que entretanto já não existe. Um dia disseste-me: antes tinha de lá ir sozinha. Agora é contigo que quero ir. Foi do amor que os meus pais deixaram em Paris que eu nasci. Poderia ter sido em qualquer cidade. Mas foi em paris. Quero levar o nosso amor a passear. Entendes? – e eu dizia que sim. Que entendia tudo o que tu dizias.

Trazer-te Paris numa passagem de avião seria mostrar-te que eu te entendia. Que iria contigo para qualquer lado. Que se não fosse o amor que ficou em Paris tu não terias nascido. E eu não poderia imaginar que um dia teria de atravessar as pontes da minha existência sem ti.

Nos últimos dias dizias-me que não demorarias muito a partir. Que sentias que estava para perto. Que eu teria de aprender a deixar-te ir. Porque a vida e o amor também eram isso. Saber como fazer as despedidas mesmo que o adeus fosse apenas uma palavra que carrega no seu ventre a viagem de quem não regressa. Sempre achei que teríamos tempo. Tempo que desse para encher os que não viveríamos em conjunto. Tempo que desse para eu dizer que não te tive a vida toda mas foi como se tivesse tido. Sempre acreditei que esse tempo existiria para nós.

Tinha as passagens na mão para irmos visitar a tua cidade. Ia entregá-las a ti. E ficaríamos madrugadas inteiras a ler o teu roteiro e a fazer planos. Como se existisse espaço para o fazer dos planos.

Foi nesse dia que recebi a chamada de alguém que ousou dizer:

Ela morreu enquanto esperava por ti.

Tu morreste enquanto esperavas por mim. Porque eu tinha-te dito que tinha uma prenda para ti. Portanto, tu estavas á minha espera. E eu não cheguei a tempo para te levar a Paris.

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