quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

18

Foram poucos os dias inteiros que tivemos para nós. Em que eu pudesse ser testemunha do teu acordar e do teu adormecer. Não que isso seja muito importante. Mas é importante. É importante para mim saber reconhecer as várias expressões. Os detalhes que dispõem os rostos pelas várias horas do dia. Não os rostos. Mas o teu. especificamente o teu. porque de alguma forma também era meu. E não apliques aqui qualquer forma de posse. Na verdade, tudo o que livremente damos, fica em nós. como marca. como significado ambulante do que de nós saiu. E por isso, depois destes anos todos, ainda guardo em mim todo o amor que te dei. Mesmo que nem todo tenha sido devidamente aplicado. em ti. na tua vida. na tua forma de desencadear sensações e formas de vida.

Mas dizia-te que foram poucos os dias inteiros que tivemos para nós. e por isso, fica-me injustamente mais a morte. mais o adeus cirúrgico que teve origem na minha boca. porque não podes crer que foi um adeus aceitável. ou desejável. mas foi o adeus pronunciado. enquanto esperava que acordasses. naquele dia inteiro que foi nosso. mas não acordaste. e não tenho como esquecer a expressão do teu rosto. a declaração da tua morte mesmo à minha frente. faltam-me os outros dias. entendes? preciso que me dês os outros dias. estejas onde estiveres.

E não podes ousar dizer que não tentei tudo. não podes. enchi a nossa cama de mulheres. todas elas escolhidas por terem algo de ti. mesmo que na verdade não tivessem nada. mas foi assim que as escolhi. e tive dias inteiros com elas todas. uma por cada mês. e coloquei-as a fazer tudo o que tu me fazias. a minha comida favorita. a caipiroska como só tu preparavas. a cama com aquele jeito final que nunca vi mais ninguém a fazer. as palavras. o abraço apertado e sufocante. e até a forma de foder. ou fazer amor. nós fazíamos as duas coisas. sim. durante um mês cada uma das mulheres agiam como se fossem tu. mesmo que na verdade não percebessem que estavam ali apenas para interpretar um papel. o teu papel.

portanto tentei, meu amor. tentei que a morte não te levasse. e que os dias inteiros estivessem limpos para serem preenchidos.

e agora?

o que me resta de ti senão a casa suja de outras pessoas.
o que resta de mim senão esta amputação do que fomos.

como é que faço para voltar à nossa casa?

preciso que me digas.

tu aí desse lado onde a morte sossega.

2 comentários: