terça-feira, 20 de abril de 2010

23

Não paro de dizer a mim própria que esta é uma fase. Sim é uma fase. É uma fase em que não me apetece falar contigo. Ou estar contigo. Sim, é apenas uma fase. Todas as relações passam por isso. Sei que sim. É normal. A rotina é crescente e nem sempre é fácil fugir dela. Temos vidas complicadas. Sempre tivemos. Os mais importantes marcos da nossa relação foram momentos de impulsividade. Somos assim. Damos pulos que nos fazem voar. E depois a rotina traz-nos à calmaria dos dias. Vivemos juntas. Não foi por comodismo ou para evitar duplicidade de despesas. Vivemos juntas a partir do momento em que dissemos que queríamos estar juntas mais do que um Mês. Sim não referimos anos. Dissemos apenas um mês. Não sei porquê. Talvez tivéssemos medo do passar do tempo. E desde então passaram cinco anos. Os hábitos mudaram-se. Não somos as mesmas pessoas. às vezes páro para pensar no prolongamento das coisas. Mas esta é uma fase. Em que me apetece sair de casa. E destruir os hábitos construídos. Enterro-me no trabalho. A desculpa de ter muito que fazer é sempre boa. Do trabalho não dá para fugir. E portanto, se chego tarde não tenho cabeça para conversar. Não quero ter de dizer como foi o dia. O que aconteceu. Não. Não quero falar. Gosto quando chego e já estás a dormir. às vezes, chego-me a ti. Não sei porquê. Não é queira. Mas é o hábito. Lembro-me de quando nos juntamos. Revisitavamos as várias divisões da casa. Quase não dormíamos. Fizemos promessas descabidas porque são promessas que não se podem manter. Disse-te que eras a mulher da minha vida, certa noite, em que estávamos nuas à entrada da varanda. Disse-te que eras a mulher da minha vida. E agora não o posso retirar. Porque existem coisas que depois de ditas já não são nossas. O momento pós prazer é dos mais complicados. Dizemos tudo como que uma forma de agradecimento pelo momento fantástico que passamos. é quase sempre assim. Não é que não seja verdade. não é isso. a questão é que é tudo muito mais exagerado. dizer que eras a mulher da minha vida foi exagerado. agora sei que sim. devem haver muitas mulheres na vida de alguém. não é? uma só é sonhar pouco. acabaste de me enviar um e-mail. queres passar um fim-de-semana fora. dizes sempre isso quando eu me afasto. ou quando não te procuro. pensas que um fim-de-semana longe do stress me traz de volta a ti. compras uma lingerie qualquer porque sabes que eu gosto. começas a usar decotes. envias provocações por sms. chateias-te se não reparo na roupa nova. ou se falo para ti a olhar para outras pessoas. e quando queres marcar a tua posição, avanças com um já não me amas. e amuas. e fazes-te de mulher magoada. é um papel que encarnas muito bem. se não te rasgo a roupa mal chego a casa é porque existem outras pessoas. agora também culpas o trabalho. preciso que te cales. é possível? que te cales e me deixes. não, não existe mais ninguém. e não é o trabalho. o trabalho é o escape. fossem todos os escapes assim. e não, não vou passar fim-de-semana fora. mas vai tu. queres ir tu? era perfeito. e dás-me dois dias de descanso. em que posso ouvir música aos berros. e embebedar-me até não me aguentar das pernas. e ler durante a madrugada toda. e estar com os meus amigos sem que faças uma lista de defeitos de cada um deles.
e não, não quero que cozinhes. nem que te esmeres. nem que me dês o último grito dos telemóveis. nem que me chames amor. quero que te cales. entendes? é isso.

mas isto é só uma fase. uma fase em que eu nem olhar para ti consigo.

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