domingo, 23 de maio de 2010

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Há o medo. A insegurança. E de novo o medo. Cada passo que damos pode ser inferido de medo. Ou insegurança. Tudo o que é novo é receado. Mesmo que excitante. Agradável. Pólo de sentimentos positivos. Mas o receio não desaparece. Só depois do passo dado. E aí poderão surgir novos medos. Geralmente, há um acréscimo quando do outro lado do passo está uma pessoa. É sempre mais complicado. Porque a tendência é nós pensarmos e pensarmos e tentarmos igualmente adivinhar o que vai na cabeça da outra pessoa. E aí retomamos à insegurança. O problema do medo, é que nos pode fazer deixar de viver. Deixar de lutar. Deixar de acreditar. É fácil descobrir porquê. Porque o medo faz-nos pensar nos erros. Que já foram feitos e não queremos repetir. Faz-nos lembrar nas derrotas. Nas vezes em que fomos em frente e saímos magoados. Não nos iludamos, a nossa experiência neste mundo será sempre marcada por feridas abertas, por arrependimentos, por erros repetidos e hábitos que nos fazem mal. E é por esta razão que o medo existe. Para nos lembrar que seremos os únicos responsáveis pelos nossos actos, portanto, se avançarmos e cairmos, a culpa é nossa. Nós ousamos dar o passo, mesmo com todo o receio e insegurança. Nos ousamos acreditar no que estava do outro lado do passo. Se correr tudo bem, somos os maiores. Se nos fodermos, crucificamos-nos logo de seguida. É isto que acontece. Hoje em dia penduramos a espontaneidade à janela como se fosse uma bandeira negra de luto. Não fazemos nada sem pensar uma, duas, três vezes. E depois volta tudo ao início. Queremos controlar tudo. Todos os efeitos. As nossas reacções e a dos outros. Portanto, engane-se quem pensa que o passo dado ou o esperado é espontâneo. Não será. Sim os motivos podem ser verdadeiros e bonitos. Mas nada será ao acaso. Antes de acontecer, já foi tudo analisado, pensado, ponderado. E a decisão de avançar, acontecerá apenas porque o risco será tolerado. Ou porque haverá a certeza que dar o passo, tem mais prós do que não o dar. E isto claro, poderá ter influências emocionais, do coração. A razão fica por baixo. Às vezes acontece. Isso não impede que tudo tenha sido minuciosamente analisado. Tratado como se fosse uma ciência exacta, o que não é o caso. Já não se fazem gestos românticos. Já ninguém se atira de cabeça. com aquela certeza. Com aquele acreditar. Com aquela atitude altruísta de quem ama. Com o intuito único de fazer alguém feliz. Pois é. Hoje em dia fabricam-se todos os dias relações fast food. Ninguém conhece ninguém. Juntam-se os trapos porque é cómodo. Fala-se em compromisso porque é bem. Duas discussões já é motivo para se dizer “ah e tal, não tinha nada a ver. Afinal, éramos diferentes e bla bla bla”. As relações hoje em dia são assim. Uma treta. Devem ser um fabrico especial. Quantas mais relações se tiver, maior a probabilidade de ganhar um prémio. Sim, porque elas multiplicam-se. As pessoas já nem sabem respirar sem ter alguém ao lado. Isto é o quê? Eu tenho para mim que é medo. Medo de solidão. Medo de que se não arranjarem alguém agora, passarão a velhice sozinhos. Tanto medo. Que origina relações sem sentimentos reais. Frutíferas. Desesperadas. Que começam com base numa ilusão. Não é triste, isto? Daqui a pouco o desespero é tanto que nem sei. E que se lixem os que não se entregam a esse espectáculo. Como não ter medo de avançar? Se provavelmente o que nos espera mais à frente é um balde de água fria. Como não ser descrente, se toda a gente diz “amo-te” como se estivesse a gritar o resultado do jogo de Domingo? Enfim. Safam-se as situações peculiares e raras, aquelas que plantam um sentido de certeza dentro de nós, que nos faz avançar. Sem medo ou receio. A certeza de que aquilo que está do outro lado é exactamente o que nos queremos. E aí, aí não avançar é não assimilarmos a sorte que temos. É fechar uma porta que tanta gente espera a vida inteira que se abra. É ousar recusar the real thing.

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